sábado, 10 de julho de 2010

RESUMO MONOGRÁFICO
CONSIDERAÇÕES SOBRE A GNOSIOLOGIA EPICÚREA

SILVA, Marcos Roberto Damásio da. Considerações sobre a gnosiologia epicúrea. 61f – Trabalho de Conclusão de Curso (Curso filosofia) – Universidade Federal do Ceará. Juazeiro do Norte, 2010.

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de graduado em Filosofia, pela Universidade Federal do Ceará do Campus do Cariri, Com a orientação do Professor Ms. Patrick de Oliveira Almeida.

O presente trabalho monográfico vislumbra tecer considerações sobre a gnosiologia epicúrea e discutir como Epicuro explica a possibilidade de aquisição do conhecimento. Para a obtenção do sucesso deste trabalho, utilizar-se-á como principal fonte bibliográfica a Carta a Heródoto onde sua physiología é apresentada de forma privilegiada. Para tal empreendimento, recorrer-se-á à elucidação de momentos fundamentais da gnosiologia de Epicuro, a saber, a passividade e objetividade da sensação, a formação das imagens e o elemento conceitual presente nelas, como também a noção de antecipação (prólepsis) entendida como idéia universal (katholikè nóesis), formada na psyché devido à reincidência de experiências sensíveis. A gnosiologia de Epicuro fornece ao pesquisador que se debruça sobre a análise dos princípios físicos (physiología) a capacidade de ter a real compreensão dos fenômenos naturais. Esta compreensão é primeiramente ofertada pela faculdade da sensibilidade (aísthesis) que é a causa necessária para a atuação do entendimento no processo cognitivo. O entendimento (diánoia) apreende as imagens (eídola) dos objetos externos mediante a penetração (eiselthón) dos simulacros (týpoi) desprendidos destes objetos. Destarte, a importância da sensação é tão pertinente em sua gnosiologia que todo conhecimento tem seu ponto de partida nela e só se confirma (martýrion) por intermédio dela, por isso Epicuro a coloca entre os “critérios da verdade” (kritéria tès aletheías). Discorrer-se-á sobre a importância da sensação e sobre a atividade do entendimento e sobre as regras que determinam os critérios que conduzem ao conhecimento verdadeiro, isto é, a canônica, também sobre o método de investigação daquilo que não é apreensível pelas sensações, ou seja, aquilo que é “imanifesto” aos sentidos (ádelon), mas que apenas pode ser inferido por meio da analogia (analogía).

Palavras-chave: Epicuro. Sensação. Entendimento. Canônica. Physiología.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Resumo apresentado no XI Seminário de Filosofia da FAFIC (Cajazeiras-PB)

"Filosofia e Realidade"

A RELAÇÃO ENTRE PSYCHÉ E PERCEPÇÃO SENSÍVEL NA FILOSOFIA DE EPICURO

Marcos Roberto Damásio Da Silva[1]
Orientador: Patrick de Oliveira Almeida[2]
Universidade Federal do Ceará

O presente texto deter-se-á na noção epicúrea de psyché e sua importância para a percepção sensível. Epicuro dedica os §§ 63-68 da Carta a Heródoto para tratar da noção de psyché. Para ele, assim como para os filósofos clássicos, sobretudo, Platão e Aristóteles, a psyché é admitida como invisível (ádelon), diferenciando-se do que aparece (phainómenon). Por outro lado, os filósofos clássicos pensam a psyché como um princípio metafísico destituída de qualquer substância sensível. Já Epicuro a define como um agregado (athroísma) de átomos diferenciados dos demais que compõem a realidade tangível. Em suas palavras: “a alma é corpórea” (hé psiché sóma) e “constituída de partículas sutis” (leptomerés). A “natureza da alma” (psychés phýsin) assemelha-se ao sopro (pneuma), ao calor (thermóter) e a uma terceira parte inominável (akatonomáston). Portanto, a psyché é um corpo imiscuído num outro corpo (sóma), sendo esta relação fundamental para se perceber a realidade. Epicuro atribui à psyché o papel mais importante no processo de percepção. Para ele é a psyché que possibilita o corpo sentir, ela traduz percepções sensíveis em pensamentos, atribuindo valor real às coisas externas. As percepções sensíveis são verdadeiras mediante a apreensão direta das imagens (eídolas), tal processo culmina na “tradução” de sensações em pensamentos, isto é, em “representações mentais das coisas” (prolépseis), ou o que Epicuro chama de antecipação. A faculdade de sentir é própria da psyché e não intrínseca ao corpo “o corpo não possui em si mesmo tal faculdade”, mas a este, cabe a recepção das imagens que se projetam dos corpos externos (epibolé), proporcionando os meios necessários para a psyché sentir. A percepção, como é pensada por Epicuro, é um processo de projeção e recepção dos microcorpos (týpoi) que se desprendem dos objetos (hypokeímenon) e são conhecidos na psyché. Desde os pré-socráticos a noção de movimento (kínesis) é elucidada e constitui o conceito primordial da phýsis. No homem esse movimento é atestado pela “faculdade da psyché” (dýnamis tés psychés). Essa dýnamis ou “função vital” atribuída à psyché é o que possibilita a percepção sensível, em outras palavras, é a “cinética” da alma que confere vida ao corpo.

Palavras-chave: Psyché. Realidade. Movimento. Percepção.

[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Cariri. Juazeiro do Norte, Ceará. e-mail: Damásio_ufc@hotmail.com.[2] Professor Assistente da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Cariri. Doutorando em Filosofia no Programa de Doutorado Interinstitucional das Universidades UFPB, UFPE e UFRN.

domingo, 14 de junho de 2009

O PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO CIENTÍFICA
EM KARL POPPER

Marcos Roberto Damásio da Silva[1]


RESUMO:

O Presente trabalho deter-se-á ao problema da Demarcação no racionalismo crítica do filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994). Na pesquisa serão apresentadas dentro do contexto filosófico-científico, as propostas de Popper no tocante ao critério de demarcação. Popper proporá critérios lógico-epistêmicos para o problema por ele julgado como o principal problema do conhecimento científico, isto é, o problema da indução também conhecido como o problema de Hume. O positivismo lógico do Circulo de Viena e seu princípio de verificabilidade também será criticado por Popper. Para que se alcance sucesso em tal empreendimento será usado como base para pesquisa o texto: POPPER, Karl. A Lógica da pesquisa científica. São Paulo: Editora Cultrix, 2002.

Palavas-chave: Demarcação, indução, falseabilidade

01. INTRODUÇÃO

O problema da Demarcação no racionalismo crítica de Karl Popper configurará o propósito desse trabalho. Na presente pesquisa, as propostas de Popper no que se referem ao critério de demarcação, serão apresentadas respeitando o contexto filosófico-científico. Popper proporá critérios lógico-epistêmicos para o problema por ele julgado como o principal problema do conhecimento científico, isto é, o problema da indução, também conhecido como o problema de Hume. O positivismo lógico do Circulo de Viena e seu princípio de verificabilidade também será criticado por Popper.
O mundo em que Karl Popper viveu foi o período da consolidação das ciências, um período bastante otimista no progresso científico. Também os resultados da revolução industrial inglesa do século XVIII, pareciam aflorar principalmente no âmbito produtivo e material. Esse momento foi de suma importância para o “dogmatismo científico”, ou seja, a crença tal na ciência em que tudo poderia ser explicado pela ciência, essa postura elevou a ciência e a tecnologia acima de todos os outros saberes, principalmente o saber metafísico derivado da filosofia racionalista iniciada desde Platão e alcançando seu grau máximo de racionalismo com o filósofo francês René Descartes.
Foi com Popper que a ciência encontrou seus limites de forma mais definida. Na ótica de Popper a ciência produz teorias falseáveis, que só poderão ser validadas enquanto não forem refutadas. Para Popper um enunciado científico só tem validade enquanto outro não o contradiga, em outras palavras, não há para Popper, enunciados tidos científicos, definitivos, isto quer dizer que todo enunciado deve ser submetido a teste, como também em princípio, passivo de refutação pelo falseamento.
A filosofia de Popper preocupa-se basicamente com a questão do conhecimento, isto é, com a epistemologia. Mas sua obra não versa apenas sobre as formas do conhecimento científico, ele foi também um filosofo político e social. Mas foi no âmbito da filosofia da ciência que Popper se destacou como um dos maiores pensadores da ciência do século XX. Popper foi um ferrenho crítico da ciência, para ele, todo conhecimento é falível e passivo de correções. Na Lógica da pesquisa científica (Logic der Forschung), Popper empreenderá sua crítica ao positivismo lógico do Círculo de Viena.
Vale salientar que o termo racionalismo crítico foi cunhado pelo próprio Popper e já demonstra sua tendência em rejeitar em partes o empirismo clássico. Já no primeiro capítulo de sua Lógica da pesquisa científica, Popper faz menção a tarefa do teórico “analisar o método das ciências empíricas”
[2]. O problema da indução é o primeiro a ser salientado e criticado por Popper. Para o indutivismo, enunciados “singulares” ou “particulares” levaria necessariamente a verdades “gerais” ou “universais”. Popper rejeita essa forma de se fazer ciência, mas admite certo grau de “confiabilidade”, ou seja, inferências indutivas são “inferências prováveis”.
Karl Popper, já de início deixa explícito seu projeto. Para ele, o cientista tem como tarefa a formulação de “enunciados ou sistemas de enunciados”
[3], como também a verificação de todos os seus postulados, isso vale tanto para o cientista teórico como também para o experimenta. As ciências empíricas então na mira de fogo do filósofo. Sua empreitada é árdua, mas bem definida:

A tarefa da lógica da pesquisa científica, ou da lógica do conhecimento, é, segundo penso, proporcionar uma análise lógica desse procedimento, ou seja, analisar o método das ciências empíricas[4].

02. O CRITÉRIO DE DEMARCAÇÃO

A tarefa filosófica de Karl Popper em muito se assemelha a de Immanuel Kant, demarcar critérios para uma distinção entre ciência e especulação metafísica, em outras palavras, “separar ciência de não-ciência”. A distinção mais preponderante entre ambos é a negação do apriorismo da parte de Popper. A demarcação é, portanto, dar limites ao projeto científico. O projeto científico que Popper faz alusão na Lógica da Pesquisa é o conceito de ciência postulado pelo positivismo lógico do Circulo de Viena. Para uma melhor compreensão do que Popper entende por problema da demarcação, nada melhor do que deixar o próprio Popper apresentar esse problema, a que ele se debruça, e que para ele é a sua objeção “mais séria”.

Denomino problema de demarcação o problema de estabelecer um critério que nos habilite a distinguir entre as ciências empíricas, de uma parte, e a matemática e a lógica, bem como os sistemas ‘metafísicos’, de outra[5].


Desde o empirista inglês David Hume (1711-1776), a indução é posta a prova. Os conceitos de causa e efeito constituem as bases da metafísica racionalista, e que após Kant passou a ser considerada uma metafísica ingênua. Kant é o filósofo que em sua filosofia pensa os limites da ciência de seu tempo, a saber, a ciência Newtoniana. Kant encontra-se entre o racionalismo indutivista e o avanço do novo modelo de ciência proposta por Isaac Newton. A física de Einstein esta para Popper como a física de Newton estava para Kant no século XVII. O “problema da demarcação” é para Popper o problema de Kant, assim como o “problema da indução” é o problema de Hume. Vale salientar, à guisa de introdução, que já no fim do período medieval Guilherme de Ockham volta-se à metafísica com cautela, e, sobretudo com alguns cortes, (daí a famosa teoria da “navalha de Ockham”), onde se pretende podar todo excesso metafísico. Mas Popper não tem as mesmas intenções que Hume em se tratando da metafísica, mas pretende aos moldes de Kant, estabelecer um “acordo”, ou uma “demarcação” entre ciência empírica e metafísica:

Meu critério de demarcação deve, portanto, ser encarado como proposta para que se consiga um acordo ou se estabeleça uma convenção[6]

A questão metodológica que distinguia a verdadeira ciência da pseudociência e da metafísica era caracterizada pela a observação e pelo método indutivo, já a “falsa ciência” como também a metafísica, caracterizavam-se pelo método especulativo fruto da lógica aristotélica. Toda teoria científica nascia da observação dos fatos e por eles eram verificados. Popper critica esse postulado da ciência, pois rejeita que os fatos possam fornecer por si só conhecimento científico, sem uma construção teórica[7]. Popper tratará a metafísica como uma instigadora das teorias científicas. Muitos exemplos podem ser tomados da história moderna a esse respeito, como por exemplo, a teoria copernicana que, não por observação de novos fatos, mas por consultar verdades metafísicas, moveu o sol para o centro do universo e pondo a terra a girar em torno dele. Tal intuição teria vindo de uma concepção platônica de que o Sol era o astro mais importante? A teoria do conhecimento como apresentada por Popper tem em seu bojo ainda uma consideração pela a especulação metafísica, embora ele não admita ser ciência, também não deseja sua ruína.

Contrastando com esses estratagemas antimetafísicos – antimetafísicos em intenção, quero dizer – meu objetivo, tal como o vejo, não é o de provocar a derrocada da metafísica[8]

A teoria do conhecimento é, sobretudo, a preocupação principal de Popper. Suas investidas propõem critérios lógico-epistêmicos para solucionar o problema que ele julga ser o principal problema do conhecimento científico, a saber, o problema da demarcação que historicamente foi chamado de “o problema de Hume”, por ter sido este o primeiro a levantar duvidas à relação de causa e efeito. O problema para Hume, como também para Popper e a ausência de necessariedade das relações entre os enunciados “particulares” e enunciados “universais”. A indução só pode garantir comprovação que enunciados particulares leva a enunciados universais apenas no presente, mas não pode garantir que sempre será assim. A falseabilidade, portanto, é para Popper a solução do “problema da indução”. “O critério de demarcação proposta leva-nos, ainda, a solução do problema da indução, tal como colocada por Hume”[9]. Essa solução não permite mais que enunciados singulares levem a enunciados universais, mas a harmonia entre verificabilidade[10] e falseabilidade permite, segundo Popper, “ser contraditados pelos enunciados singulares”[11].
A partir dessa constatação, ou seja, que “independentemente de quantos casos de cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos”
[12], é que Popper introduz o que ele chama de falseabilidade. A falseabilidade é na verdade um processo de confronto entre a teoria aceita e a observação, atribuindo valor científico apenas aquelas teorias que se mostrem à prova, que possam ser refutáveis:

Contudo, só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for passível de comprovação pela experiência. Essas considerações sugerem que deva ser tomado como critério de demarcação, não há verificabilidade, mas a falseabilidade de um sistema.[13]

A falseabilidade é o critério de demarcação científica proposto por Popper. Uma teoria para ser cientificamente aceita ela precisa ser criticada, exposta a “críticas de todos os tipos”, e, sobretudo resistir firme as críticas. Diferentemente das falsas ciências, e até mesmo da metafísica que não podem ser testadas e refutadas. As teorias científicas devem admitir que “nunca são empiricamente verificáveis”[14]. Este caráter falseador de uma teoria verdadeiramente científica corrobora com a atividade crítica, permitindo o avanço do conhecimento científico, garantindo assim a eterna permanência do exercício crítico-científico.
O caráter irrefutável de uma teoria ainda é para muitos pensadores e cientista indutivistas prova de veracidade inquestionável da teoria. Esta tese ainda se mantém ávida nos redis acadêmicos. Estas posturas, aparentemente, podem levar à incorrência da quebra do princípio de não-contradição, ou seja, pode ser postulado por dois teóricos, duas teorias contrárias e irrefutáveis, isto é, que não são abertas a críticas e a refutações devido sua ausência de “empiricidade”, mas ambas não podem ser verdadeiras, uma necessariamente exclui outra.
Portanto, para Popper, as teorias científicas são construtos humanos, isto é, convicções subjetivas, conjecturas provisórias sujeitas a reconstruções e, sobretudo, presa a pressuposições. A intenção de um cientista que cria suas teoria é compreender e descrever o mundo, “Entretanto, o sistema que se denomina ‘ciência empírica’ pretende representar apenas um mundo: o ‘mundo real’, ou o ‘mundo de nossas experiências’”
[15].

03. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos sintetizar a tarefa filosófica de Karl Popper como uma crítica direcionada ao positivismo lógico do Circulo de Viena o qual tem o princípio de verificação como arma fundamental contra a metafísica e contra as falsas ciências. O método indutivo e sua discrição dos dados empíricos como verídicos a partir de inferências que são conduzidas de enunciados singulares ou particulares à enunciados universais são desprovidos de confiabilidade científica, ou seja, cientificamente falsos, incapazes de garantir cientificidade.
Por fim, a falseabilidade é o critério de demarcação usado por Popper para dar limites ao projeto científico e separar a verdadeira ciência da pseudociência e da metafísica. Uma tentativa de demarcação da ciência não é nova na história do pensamento humano, mas em Popper, o que se pode apresentar, portanto, como novidade é a noção de falseabilidade ou a admissão de que uma teoria para ser científica deve ser “julgáveis”.

05. NOTAS

[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Cariri, Juazeiro do Norte, Ceará. Semestre 2009.1. E-mail: Damásio_ufc@hotmail.com. Blog: inclinacoesfilosoficas.blogspot.com.
[2] POPPER, Karl. A Lógica da pesquisa científica, p. 27
[3] Op. Cit., p. 27
[4] Op. Cit., p. 27
[5] Op. Cit., p. 35
[6] Op. Cit., p. 38
[7] Não se trata aqui da estrutura aprioristica apregoada por Kant na Crítica da Razão Pura, mas de uma postura contra o positivismo lógico do Circulo de Viena que tomava a metafísica apenas como uma especulação vazia e desprovida de sentido.
[8] Op. Cit., p. 38
[9] Op. Cit., p. 44.
[10] A verificabilidade é o critério de verdade para o “positivismo lógico” do Circulo de Viena. O Circulo de Viena buscava uma filosofia moderna e científica, para isso seria necessário varrer todo e qualquer postulado metafísico.
[11] Op. Cit., p. 43.
[12] Op. Cit., p. 28.
[13] Op. Cit., p. 42.
[14] Op. Cit., pp. 41-42.
[15] Op. Cit., p. 40.


04. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

POPRER, Karl, Conjecturas e Refutações, Tradução: Benedita Bettencourt, Coimbra: Editora Almedina, 2006.

_______, Karl, A Lógica da pesquisa científica, São Paulo: Editora Cultrix, 2002.BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. Tradução: Goodon Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2007. 279 p.

AZEVEDO, Ivânio, Dissertação de Mestrado.

DUTRA, Luiz Henrique de Araujo. Introdução a Teoria da Ciência. 2 ed. Florianópolis: Ed. UFSC. 2003

sábado, 2 de maio de 2009

JOANNES BURIDANUS
(1295 – 1358?)

Marcos Roberto Damásio da Silva
[1]

1. Introdução biográfica


Filósofo aristotélico da Idade Média tardia, como também um clérigo francês natural de Béthume. Jean Buridan, nome latino Iohannes Buridanus (1295-1358) é tido por muitos como um dos mais influentes filósofos desse período. Não se sabe ao certo data nem local do seu nascimento, mas é muito provável que tenha nascido por volta de 1300 d. C na cidade de Béthune, na diocese de Arras na Picardia, França. Também a data de sua morte é incerta. Provavelmente ele tenha morrido em torno de 1358, mas certamente não viveu além do ano de 1361, quando um de seus benefícios foi repassado para outra pessoa.

Buridan teve toda sua educação em Paris, estudou no Collége Lemoine, onde foi favorecido, sendo concedido a ele um benefício para estudar como aluno carente. Formou-se em filosofia pela Universidade de Paris como discípulo do nominalista William of Ockham, sendo posteriormente nomeado docente de filosofia na mesma Universidade em 1328 d. C. Permaneceu na Universidade de Paris por aproximadamente trinta anos, vindo a assumir o cargo de reitor por duas vezes (1328-1340) e morreu em Paris.

Além de filósofo e lógico, foi cientista teórico em ótica e mecânica, em sua vida acadêmica, Buridano se ocupou principalmente do estudo da lógica e de fazer comentários sobre as obras de Aristóteles, provavelmente ele tenha comentado todas as grandes obras de Aristóteles. “Em acréscimo ao Organon inteiro, há comentários sobre a Physica, De caelo, De Geratione et Corruptione, De Anima, Meteorologica, Metaphysica, Ethica ad Nicomachum e outros”. No entanto, sua maior obra é o “Compêndio de Dialética” (Summulae de dialectica) composta por nove tratados.

Considerado um dos grandes filósofos da Idade Média, hoje é pouco estudado, como também muito pouco conhecido no mundo acadêmico contemporâneo, a quem afirme que sua falta de “popularidade” tenha sido provavelmente por conta dele ter sido um clérigo que não estava ligado a nenhuma das ordem religiosa de sua época, visto que quase todos os intelectuais do Período Medieval Clássico estiveram ligados à ordens religiosas como a dos Franciscanos e Dominicanos. Seu trabalho em explicar o “movimento de projéteis e objetos em queda livre, facilitou o caminho para a formulação da dinâmica de Galileu e para o enunciado do famoso princípio da inércia, de Isaac Newton”.

2. O Pensamento de Buridan

O pensamento de Buridan impactou grandemente a filosofia e as ciências de seu tempo, suas idéias se espalharam fortemente pelas partes mais distantes da Europa. Tanto seu nominalismo como também sua mecânica não se enclausuraram apenas em sua própria universidade, antes, através de seus alunos e de seus colegas de todo o continente foram difundidos. Paris foi dominada pela lógica nominalista de Buridano, e durante muitos tempos foi o centro de estudos no final da Idade Média.

Buridan é contado entre os nominalistas do século XIV, seu nominalismo toma diversas formas, isto é, tece críticas ao nominalismo aristotélico, minimizando o número de categorias aristotélicas, também nega a existência ontológica dos universais, e rejeita várias entidades abstratas, como, por exemplo, as proposições. O nominalismo na verdade pode aparecer de diversas formas dentro do pensamento filosófico medievalista:


Há vários tipos de nominalismo: os historiadores distinguem o ‘nominalismo de direita’ chamado de ‘histórico-crítico’ (Gregório de Rimini, Hugolino de Orvieto), o ‘nominalismo moderado’ chamado de ‘ockhamista’ ou ‘lógico-crítico moderado’ (Pedro de Ailly, Gabriel Biel) e o ‘nominalismo de esquerda’ chamado de ‘modernista’ ou ‘lógico-crítico radical’ (Roberto Holkot, Nicolau de Autrecourt, Adam Wodeham). Legitimamente classificado entre os nominalistas, João Buridano não é ockhamiano e seus discípulos, Alberto de Saxe ou Marsílio de Inghen, freqüentemente, opõem-se à Ockham.[2]


O “problema dos Universais”, embora esteja presente de forma embrionária na filosofia clássica, principalmente em Platão e Aristóteles, foi um problema primeiramente trazido para a Idade Média com a monumental obra de Porfírio de Tiro (233-305 d. C) “Isagoge”[3]. Essa obra foi direcionada ao Senador Romano Crisaório e trata-se de uma introdução as categorias de Aristóteles. Durante esse período onde se procurava responder o “questionário de Porfírio” nasce as duas escolas essenciais desse período: a escola realista e a escola nominalista. Os realistas, como o próprio nome já diz, tomavam os universais como entes reais, ontologicamente existentes, já os nominalistas atribuíam aos universais um valor apenas conceitual, ou seja, eram apenas nomes, conceitos.

No âmbito da física, Buridan abordou a questão da dinâmica, sobretudo debruçou-se sobre a causa dos movimentos. O empenho em estudar o movimento horizontal de um corpo, Buridan caracterizou o ímpeto como sendo proporcional à quantidade de matéria m e à velocidade v do corpo, o que se aproxima da noção moderna de “quantidade de movimento”. Analisou também a aceleração de corpos em queda, que ganhariam ímpeto à medida que caíssem. A explicação para o movimento através da teoria do ímpeto (impetus) substitui a noção aristotélica de lugar natural aos quais as coisas sempre tendem a retornar. Para Aristóteles tudo tem seu propósito inerente a sua natureza, uma pedra, por exemplo, sempre tornará a terra porque a terra é seu lugar natural, é a essa afirmação que a teoria do ímpeto vem se contrapor.

Para Aristóteles todo o movimento presume um motor diferente do corpo em movimento. Além desse “motor imóvel” o ar também é também fundamental para continuação desse movimento. O que isto quer dizer? Para Aristóteles, o “motor” que dá o impulso para a movimentação do corpo, uma mão por exemplo, quando atira uma pedra, não permanece na pedra até seu alvo, logo, o que permite a continuidade desse movimento? Dirá Aristóteles, o ar que rodeia a pedra. Mais uma vez Buridan critica Aristóteles, para ele o ar nada pode explicar. Apenas o contato com o ar não pode gerar movimento.

A iniciativa de Buridan em pensar o movimento a partir não mais das categorias aristotélicas leva a uma abertura para ciência moderna, como já foi salientado tanto a “dinâmica” de Galileu quanto o “princípio da inércia” de Newton. Fica portanto uma indicação para estudo, uma vez que esse filósofo ficou marcado pelo seu pensamento tão rico e de profunda importância.

NOTAS:
[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Cariri. Juazeiro do Norte, Ceará. Semestre 2008.1. E-mail: Damásio_ufc@hotmail.com. Blog: inclinacoesfilosoficas.blogspot.com.
[2] DE LIBERA, Alain. A Filosofia Medieval. São Paulo: Loyola, 1998, p. 431.
[3] Eisagogé, Termo grego que significa “introdução”.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

SOBRE O CONCEITO DE FENÔMENO NA
CRÍTICA DA RAZÃO PURA

Marcos Roberto Damásio da Silva[1]


RESUMO

O presente artigo prender-se-á ao conceito de fenômeno (Erscheinung) na obra Crítica da Razão Pura (Kritik der reinen Vernunft), do filósofo alemão Immanuel Kant mais precisamente na primeira parte da obra denominada “Estética Transcendental”. Dado que o termo fenômeno foi usado de diversas formas durante toda tradição filosófica, desde os filósofos gregos (phainomenon) passando pelos medievais até ganhar uma conotação kantiana a partir do século XVIII. Torna-se importante clarificar como esse gigante da filosofia moderna o usou em sua célebre obra, e, de forma muito peculiar, enxertou ricamente em sua filosofia transcendental.
O artigo utilizará duas traduções da Crítica da Razão Pura, uma brasileira a da Coleção os Pensadores, (KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valerio Rohden e Udo Moosburger. Editora Nova Cultural, Coleção Os Pensadores. 1996.) e uma portuguesa, da Fundação Calouste Gulbenkian, (KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 2 ed. Lisboa: Fundação Clouste Gulbenkian, 1989. Trad. De Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão do original alemão “Kritik Der Reinen Vernunft”,).
[2]

Palavras-chave: Fenômeno, Coisa-em-si, Metafísica, Filosofia Transcendental.

INTRODUÇÃO

A publicação da Crítica da Razão Pura (Kritik der reinen Vernunft) em 1781 foi destinada a filósofos experientes e atuantes no estudo da filosofia. Sua leitura demasiada pesada e, sobretudo, extremamente complexa, na época da publicação, causou certa indigestão a alguns que iniciaram sua leitura. É sabido que quando Kant terminou de escrever a Crítica, deu a um amigo da Universidade de Königsberg chamado Herz para que lesse, o mesmo o devolveu em mãos, fazendo apenas a surpreendente afirmação “que receava a insanidade se prosseguisse”
[3].
Etimologicamente o termo phainomenon deriva do verbo phainestai “mostrar-se”, é o infinitivo de phaino
[4] (forma média), “por à luz”, “trazer à luz do dia”, que provem da raiz pha-, donde o termo phôs[5] “luz”, “claridade”, ou seja, aquilo no qual alguma coisa se torna manifesto, visível. Um outro verbo que se relaciona com phainomenon é phainomai faino,mai, “aparecer” o que é evidente, “evidentemente”, “manifestamente”. Tem como cognato o advérbio phanerôs ou phanerós, “visível”, “manifesto”. Portanto, phainomenon significa: aquilo que se mostra à luz do dia, algo que pode ser evidentemente visto e observável a olho nu.
O conceito de fenômeno (Erscheinung) é a porta de entrada para a compreensão da “filosofia Transcendental”, como também a chave que fecha as portas do conhecimento objetivo a uma Metafísica Dogmática tão difundida pela Tradição e veementemente atacada pelos empiristas como Locke, Berkeley e principalmente Hume. Kant define fenômeno como: “o objeto indeterminado de uma intuição empírica”
[6] Kant entendia bem o campo em que os empiristas criticavam os metafísicos, isto é, o conhecimento da coisas-em-si. Esse pensamento levou toda tradição a inúmeras contradições, logo seu “salto para não cair” é o abandono da pretensa afirmação que é possível conhecer as coisas tais como elas são em si. Para Kant, só podemos cogitá-las enquanto possibilidade de serem pensadas sem incorrer em contradições.
Nessa esfera tanto a sensibilidade como o entendimento trabalham em conjunto promovendo sínteses em busca da obtenção do conhecimento objetivo. A sensibilidade que se entende pela faculdade das intuições dá conta dos objetos sensíveis, a posteriori (aisthéta). O entendimento, a faculdade dos conceitos, responde pelos elementos inteligíveis (noéta) que só se dão na estrutura noética do sujeito, sendo a priori. Essa distinção aproxima Kant dos antigos gregos no que concerne ao conhecimento dos aisthéta kaì noéta.

Intuição pura: Espaço e Tempo

O conceito de intuição[1] (Anschauung), – ao contrário de Descartes e Espinosa que o entende conforme o pensamento platônico, ou seja, é entendido como um “conhecimento imediato do domínio inteligível” – é para Kant pensado dentro da tradição aristotélica, isto é, Kant entende a intuição situada à nível da sensibilidade, ou seja, é “uma visão direta e imediata de um objeto”[2]
A sensibilidade, portanto, exerce uma função rigorosa em toda a teoria kantiana do conhecimento, principalmente na Estética Transcendental, onde Kant define sensibilidade como uma faculdade das intuições. A sensibilidade responde por dois elementos constitutivos do conhecimento, a saber: matéria e forma. A matéria chega ao sujeito através dos objetos exteriores, já a forma do conhecimento manifesta “a ordem em que essas sensações são colocadas”[3].
O espaço e o tempo, dentro da concepção kantiana, não podem ser aquisições da experiência. Essas formas puras da sensibilidade ou apenas intuições puras, são para Kant, formas ordenadoras de todas as coisas que são conhecidas. Com isso Kant quer dizer que sem espaço e tempo nada existiria, objetos não poderiam ser conhecidos pelo sujeito cognoscitivo, logo, espaço e tempo constituem o “elemento formal da sensibilidade”.
Os conceitos de espaço e de tempo não podem ser pensados como noções já dadas em si mesmas, pois, segundo Kant, não são conceitos empíricos extraídos da experiência, pelo contrário, toda experiência provêm das formas puras da sensibilidade. O papel do espaço e do tempo na estética transcendental é mostrar-se presente no espírito (Gemüt)[4] anteriormente a toda e qualquer experiência possível, isto leva a afirmação que toda experiência pressupõe o espaço e o tempo.
À estética transcendental Kant procurar responder como são possíveis as “formas puras a priori da sensibilidade” (intuições do espaço e do tempo), viabilizando dessa forma as intuições sensíveis, isto é, a recepção da matéria do conhecimento. Portanto, a sensibilidade é uma faculdade inalienável do sujeito dentro do processo cognitivo. Sem essa faculdade, diria Kant, seria impossível admitir sínteses, logo, nenhum conhecimento (sem a sensibilidade) poderia ser objetivado, isto é, conhecido indubitavelmente.



Tomados conjuntamente [tempo e espaço]
são formas puras de toda a intuição sensível, possibilitando assim proposições
sintéticas a priori. Mas estas fontes de conhecimento a priori determinam os
seus limites precisamente por isso (por serem simples condições da
sensibilidade); é que eles dirigem-se somente aos objetos enquanto são
considerados como fenómenos, mas não representam coisa em si. Só os fenómenos
constituem o campo da sua validade; saindo desse campo já não se pode fazer uso
objetivo dessas fontes.
[5]


A noção de causalidade também aparece na obra de Kant. É da noção de causalidade que Kant parte para uma refutação à filosofia cética de David Hume. O filósofo britânico, por sua vez reputa a noção de causa e efeito como mero hábito, mera fantasia. Tal noção é reafirmada por Kant que a admite como o âmbito dos fenômenos, ou seja, a causalidade é uma forma a priori do intelecto onde atuam os fenômenos. O intelecto não tem acesso aos fenômenos se não for via causalidade:



então o princípio de
causalidade e, conseqüentemente, o mecanismo natural da determinação das coisas,
deveria estender-se absolutamente a todas as coisas em geral, consideradas como
causa eficiente
[6]


Kant foi taxativo em considerar que foi Hume quem o “despertou de do sono dogmático”. A crítica de Hume fere danosamente a vitalidade da metafísica, como exposta em Descartes, Leibniz e Wolff. Hume afirmava que fora a imaginação e não a razão responsável pelo princípio de causalidade, ou seja, não há nenhuma necessariedade entre dos eventos. Em outras palavras, o procedimento de Hume em relação a mente humana, assemelha-se ao do bispo Berkeley em relação a matéria, uma destruição. Essa crítica de Hume não atira apenas contra a metafísica, mas também contra a ciência (problema da indução), e contra a religião (o problema da idéia de Deus e da alma).
A investigação kantiana dos “princípios apriorísticos da sensibilidade”, mostra todo interesse pelo problema do conhecimento em sua época. Kant está extremamente preocupado com o modo de conhecer, mas não o conhecimento do mero objeto, e sim, como esse conhecimento do objeto sensível (por isso “estética”) pode ser dado a priori (transcendental). Com a objeção acerca dos conhecimentos matemáticos e físicos, Kant se pergunta por que a metafísica também não fornece o mesmo grau de confiabilidade que tais conhecimentos? Ou seja, “como é possível a metafísica enquanto ciência?”[7]. É a partir desse questionamento que Kant formula a noção de juízo sintético a priori que, segundo Kant, fornece tanto universalidade quanto necessariedade, sem deixar de progredir o conhecimento, dando-lhe caráter cientifico.



Tem sido afirmado, e com
razão, que é o modelo da ciência da natureza que se encontra na base da
filosofia de Kant. Esta não seria mais do que a filosofia considerada possível
para o mestre de Königsberg em época impregnada de fervor científico. Na
verdade, todo o pensamento kantiano tem presente essa ciência exacta, emergente
na Idade Moderna e que se vai impondo, progressivamente, a todos os domínios do
real.
[8]


A filosofia que em Kant encontra-se amadurecida, dado a um rigor científico, já vinha agigantando-se desde o cogito cartesiano que se mostrava a maneira dos matemáticos, mantendo em seu arcabouço os princípios de identidade e de não-contradição, mas com o elemento Deus como fundamento. Essa ascensão culmina na abordagem cética e empirista do filósofo inglês David Hume. Da crítica de Hume, Kant conduz sua filosofia à noção mais formal de fenômeno. Para Kant a noção de fenômeno como “objeto formal do conhecimento”:



“Agora com Hume a
relação de causalidade, longe de se nos impor por um princípio a priori, tem por
base um ‘hábito’ criado em nós pela repetição do mesmo processo
psicológico”
[9]


Kant reserva à Hume sua resposta, que vem pela noção de representação. Ora, se o fenômeno se mostra tal como ela aparece para o sujeito, é obvio que existem também objetos “em si”, isto é, são de uma forma tal que as condições subjetivas do sujeito que são necessárias à percepção não os afetam. Logo, a representação é uma “segunda apresentação”, dada também na sensibilidade. Kant , assim como a Tradição, não nega a coisa-em-si, mas apenas nega uma “intuição intelectual”. O sujeito conhecendo apenas as representações permanece, portanto, uma conexão das representações com o entendimento.

O fenômeno

Numa tentativa de situar o pensamento de Kant, vale salientar que Kant está travando um confronto tanto com os dogmáticos como também os céticos encabeçados pelo filosofo inglês David Hume. Isso fica claro quando percebe-se que para os dogmáticos (expoentes de uma metafísica ingênua, segundo Kant), a noção de “fenômeno” não é mais que “estados de consciência”. Kant se oporá a essa perspectiva afirmando que os fenômenos são sempre representações de objetos dados:



Daí não podemos ter
conhecimentos de nenhum objeto, enquanto coisa em si, mas tão somente como
objetos da intuição sensível, ou seja, como fenômeno.
[10]


A intuição exercerá um papel fundamental para a noção de fenômeno na Crítica da Razão Pura. Kant admitirá duas formas de intuição, a empírica e a pura. Toda intuição pressupõe a existência de objetos dados de forma prévia, logo, objetos ainda indeterminados, carentes de conceituações, dados à sensibilidade ainda como representações, ou seja, como as coisas aparecem ao sujeito. O “objeto indeterminado”, como definido por Kant no início da Estética Transcendental, chama-se fenômeno, que ainda não é entendido como um conhecimento objetivo completo, pois o que Kant chama de conhecimento é a junção de intuição mais conceito. Tanto a intuição como o conceito são elementos primordiais para obtenção do conhecimento, pela intuição algo é dado como fenômeno, já o conceito é aplicado ao fenômeno.
O escopo que o intelecto admite para conhecer objetivamente é a sensação. Sensação é toda e qualquer impressão produzida por um objeto na sensibilidade. Este objeto por meio da sensação se relaciona com a intuição, isto é, portanto, chamado de intuição empírica. A intuição empírica detém o objeto que foi dado a sensação, logo, é esse objeto que Kant chama de fenômeno.
O Conhecimento para Kant se desloca da intuição[11] do sujeito (faculdade do conhecimento a priori) para o fenômeno do objeto (representação espaço/temporal), que por sua vez, divide-se em matéria e forma. A matéria do fenômeno é o conteúdo da sensação, é sempre dado a posteriori. Já a forma do fenômeno (espaço e tempo) encontra-se sempre a priori no espírito (formas puras) e é o que dá “forma” à matéria do fenômeno. O fenômeno é o limite do conhecimento objetivo, e que encontra sua limitação na estrutura do conhecimento racional. Logo o conhecimento só é puro quando parte da razão do sujeito. O conhecimento objetivo encontra seu limite no limiar da representação fenomenal.



Dou o nome de matéria ao
que no fenómeno corresponde a sensação; ao que, porém, possibilita que o diverso
do fenómeno possa ser ordenado segundo determinadas relações, dou o nome de
forma do fenémeno.
[12]


A noção de fenômeno em Kant é estendida durante toda sua carreira de filósofo profissional:



Em sua primeira obra, FV
(1747), Kant usa convencionalmente fenômeno no sentido de uma manifestação
externa de uma força invisível, como na proposição “o movimento é apenas o
fenômeno externo do estado do corpo” (FV §3)
[13]


Dessa noção mais simplória, e aqui mais próxima da noção de phainomenon dos antigos filósofos gregos, Kant incide na perspectiva de fenômeno como “objetos da sensibilidade”[14] isso inclui tanto o sensível como o puro. Na noção de fenômeno na obra que está sendo analisada aqui, a saber: a Crítica da Razão pura, é oposta a noção de “noumenon”, a velha duplicidade entre mundo inteligível e mundo sensível própria do pensamento metafísico e sustentada por Kant.
Para Kant os fenômenos são organizados no espaço e no tempo, segundo os conceitos a priori, isto é, a estrutura noética que é anterior aos fenômenos reconhece e classifica tudo que é dado a intuição. Nesse ponto, vale ressaltar, que os fenômenos não devem ser confundidos com “idéias”, mas são imagens. Kant parece incansável em sua exposição transcendental, e vai mais além em sua Crítica. O fenômeno é a substrução do objeto tomado como noumenon, em outras palavras o fenômeno é a “diminuição da coisa em si”.
Ao contrário do que se tem ouvido superficialmente, não foi o “abandono das conclusões metafísicas” que conduziram Kant a criticar a metafísica como exposta na Tradição, mas sim, a fraqueza dos argumentos em que se assentavam. Com tudo, o erro funesto dos metafísicos dogmáticos, que ainda sustentavam uma metafísica tradicional, arraigada nas questões apenas abstratas, apontado por Kant, foi negligenciar veementemente um critério seguro, isto é, faltou aos dogmáticos o Kant chamou de “caminho seguro de uma ciência”, eles não buscaram validar a metafísica com segurança, pois para Kant, não podia ser em vão que a razão exercesse preponderância sobre todo conhecimento, tal era a confiança do filósofo de Koenigsberg na razão.



Portanto, a primeira e
mais importante tarefa da filosofia consistirá em extirpar de uma vez para
sempre a essa dialética qualquer influência nefasta, estancando a fonte dos
erros.
[15


Pode-se afirmar que a metafísica instaurada por Kant além de “salvar” a própria concepção de metafísica, também define três esferas de atuação do pensamento enquanto possibilidade de conhecimento. Em primeiro lugar, a metafísica atua fundamentando toda possibilidade anterior ao conhecimento científico, isto é, “sintético a priori”. Na física se responde pelo campo da experimentação empírica, atestando o conhecimento objetivo. Por ultimo, com tudo isso, Kant ainda mantém o espaço da fé, isto é, as possibilidades de se pensar Deus, a alma e a liberdade.

CONCLUSÃO

Com a dicotomia entre fenômeno e coisa-em-si, Kant supera os empiristas e os metafísicos, definindo seus campos de atuações. Para além do fenômeno, afirma Kant, a razão não pode conhecer objetivamente nada, a possibilidade do conhecimento fenomenal só pode ocorrer dentro dos limites estabelecidos pelas formas puras da sensibilidade, chamados por ele de tempo e espaço. Logo não se pode conhecer a realidade em si, como ela é em “essência”[16], como afirmava a Tradição, mas apenas representada pelos fenômenos e organizada pelo sujeito cognoscente segundo as formas a priori da sensibilidade.
Num sentido mais amplo, os objetos são dados à sensibilidade, e por isso, denominados de fenômenos. Os fenômenos são condições espaço-temporal, e devem ser compreendido como “aparições” de coisas que possuem existência em si mesma, mas que não estão conformadas ao espaço e ao tempo e que não são conhecidas, mas, não podem ser negadas. O espaço e o tempo fornecem ao fenômeno todas as condições necessárias para serem efetuados. Logo o fenômeno é para Kant tudo aquilo que é intuído no espaço e no tempo, isto é, todos os objetos de uma experiência possível.
Da análise da estética transcendental, isto é, da sua “filosofia transcendental”, conclui-se que o fenômeno é aquilo tal como se mostra ao espírito, e, somente ele pode ser conhecido seguramente. Kant também fecha as portas para qualquer conhecimento que não esteja fundamentado na intuição, e introduz fundamentalmente a base de toda ciência que deseje progredir no ramo do conhecimento objetivo. Nenhuma outra ciência aproximou o homem e nem aproximará da coisa em si, tudo que é dado a conhecer pelo homem, é relativo a ele próprio, pois nenhuma coisa em si pode ser dada ao homem, chagando com isso a dura verdade que somente os fenômenos podem ser atingidos:



Assim, pela
sensibilidade, não conhecemos apenas confusamente as coisas em si, porque não a
conhecemos mesmo de modo algum; e se abstraímos da nossas constituição
subjetiva, não encontraremos nem poderemos em nenhuma parte o objeto
representado com as qualidades que lhe conferiu a intuição sensível, porquanto é
essa mesma constituição subjetiva que determina a forma do objeto enquanto
fenômeno.
[17]


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valerio Rohden e Udo Moosburger. São Paulo: Editora Nova Cultural, Coleção Os Pensadores. 1996.

_____, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 2 ed. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Clouste Gulbenkian, 1989.

HUME, David. Investigação Sobre o Entendimento Humano. São Paulo: Editora Abril Cultural, Coleção os Pensadores, 1980.

Coenen, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2 ed. São Paulo. Vida Nova. 2002. Trad Gordon Chown. 2 Vol. 2773 p.

VINE, W. E. & UNGER, Merril F. & WHITE, William Jr. Dicionário Vine: O Significado Exegético e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento. Rio de Janeiro. CPAD. 1995. Trad. Luís Aron de Macedo. 1115 p.

Chamberlain, Willian Douglas. Gramática Exegética do Grego Neo-Testamentário. 1 ed. São Paulo. Casa Editora Presbiteriana. 1989. Trad Waldyr Carvalho Luz. 261 p.

CHANTRAENE, Pierre. Doctionnaire Étymologique da la Langue Grecque: Histoire des Mots. Paris, Éditions Klincksieck, 1968. 1368 p.

LEBRUM, Gérard. Sobre Kant. 2 ed. Tradução de José Oscar A. Morais; Maria Regina A. C. da Rocha; Rubens Rodrigues T. Filho. São Paulo: Editora Iluminuras. 2001. 110 p.

CAYGILL, Howard. Dicionário de Kant. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar. 2000. 353 p.

PASCAL, Georges. Compreender Kant. 3 ed. Tradução de Raimundo Vier. Petrópoles-RJ: Editora Vozes. 2007. 206 p.


NOTAS


[1] Seu correlato latino é intueri, que significa “ver”. Na filosofia de Kant uma antecipação da idéia.
[2] PASCAL, Georges. Compreender Kant, p.49.
[3] KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Coleção Os Pensadores. p. 9.
[4] “Mente”, “espírito”, “ânimo”.
[5] Ibidem. p. 28.
[6] Ibidem, p. 26.
[7] KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa: Fundação Clouste Gulbenkian, p. 51.
[8] Ibidem. p. VIII.
[9] Ibidem. p. IX.
[10] Ibidem. p. 25.
[11] Não pode haver intuição sem que um objeto seja dado, logo, só a sensibilidade pode fornecer intuições.
[12] Ibidem. p. 62.
[13] CAYGILL, Howard, Dicionário de Kant, p. 149.
[14] Ibid. p. 149.
[15] Ibidem. p. 28.
[16] Essência (em alemão: Wesen), o termo é aqui usado pelo autor do artigo no sentido de eidos e não de ousía, distinto de “acidentes” e “substância”.
[17] Ibidem. p. 80.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ARTHUR SCHOPENHAUER
O Mundo como vontade de Representação

[1] Marcos Roberto Damásio

“A arte é uma flor nascida no caminho da nossa vida, e que se desenvolve para suavizá-la” (Arthur Schopenhauer)

Filósofo alemão do século XIX nascido em 1788 na cidade de Danzig na Prússia[2], Arthur Schopenhauer, faz parte da corrente filosófica irracionalista, repesentada tanto por Schopenhauer como por Nietzsche. É também um filósofo do pessimismo em relação a sua visão do mundo. Estudou nas universidades alemãs de Göttingen e Jena. Após um grande período de descrédito e decepção na Europa, sua filosofia começou a ganhar adeptos e logo foi traduzida para vários idiomas. Sua obra principal é O mundo como vontade e representação publicade em 1819, e que será objeto de análise nesse trabalho.

É a partir da filosofia de Imannuel Kant (1724-1804) que se pontua o pensamento do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), mais precisamente dentro da dicotomia entre numenon (coisa-em-si) e fenômenon (o que aparece ao sujeito cognoscente). É a partir dessa divisão kantiana do conhecimento que nasce os conceitos schopenhaueanos de Vontade e Representação, centrais em sua filosofia. Para Schopenhauer o mundo sentido em suas percepções não passa de representações, aos moldes kantianos, síntese entre realidade exterior e consciência humana:

Por mais maciço e imenso que seja este mundo, sua existência depende, em qualquer momento, apenas de um fio único e delgadíssimo: a consciência em que aparece.[3]

Em sua obra mais importante, “O Mundo como Vontade e Representação”, (Die Welt als Wille and Vorstellung) Schopenhauer afirma que o homem só pode conhecer do mundo o que lhe é dado à percepção como representação (Vorstellung), ou seja, como elas são percebidas no espaço e tempo. Daí a critica a Hegel pela idéia do “saber absoluto”. Assim se postula em sua obra que nenhum objeto do conhecimento tem uma realidade em si, logo, sendo apenas resultados das condições gerais do espaço, do tempo e da causalidade:

Com efeito, o que Kant diz é essencialmente o seguinte: ‘Tempo, espaço e causalidade não são determinações da coisa-em-si, mas pertencem unicamente a seu fenômeno, ma medida em que não passa de formas de conhecimento[4]

No início do livro III de O Mundo como Vontade e Representação Schopenhauer aproxima as filosofias de Platão e Kant tentando mostrar suas semelhanças. Mas não só isso, mas também assume a filosofia platônica no que diz respeito à esfera noética do conhecimento, aos objetos como meras aparências das verdades inteligíveis. A afirmação de que o mundo é representação é uma reformulação da teoria platônica do mundo sensível. Também com relação a Kant, afirma conhecer os fenômenos que nos é dado os objetos, mas não em si mesmos.

Assim concordaremos com Platão, ao conceder esta existência propriamente dita somente às idéias, reconhecendo, por outro lado, às coisas no espaço e no tempo, este mundo real para o indivíduo, apenas uma existência aparente, ilusória[5]

No centro de sua filosofia, estão dois conceitos fundamentais e que não aleatoriamente compõem o título da obra, ou seja, “vontade” e “representação”. Vontade, irracionalidade e pessimismo sintetizam de forma objetiva a filosofia de um pensador “sem público” o qual herdou de Friedrich Nietzsche o epíteto de “o cavaleiro solitário”.

Assim como Nietzsche, Schopenhauer não obteve muito sucesso como professor. Mesmo vivendo em um período muito rico da história da filosofia moderna não conseguiu despontar uma filosofia de caráter referencial em seu tempo e não permaneceu dentro da tradição filosófica que nasce com Platão e tem seu momento áureo com Kant. Chegou a disputar cadeiras com Hegel na Universidade de Berlim, mas isso foi um fracasso pra sua permanência em Berlim, ao final do mesmo semestre desistiu da carreira de professor na Universidade de Berlim.

Schopenhauer é tido por alguns filósofos como o ultimo dos pensadores do idealismo alemão, onde entre alguns situam-se Kant, Fichte, Schelling, Schleiermacher e Hegel, e tem seu início com Kant, marcando uma transição para uma metafísica imanente com vias a psicanálise. Após o descrédito com a filosofia hegeliana na Alemanha, Schopenhauer passou a influencia muitos pensadores após sua morte, tais como Freud, Nietzsche, Hittgenstein e diversos artistas e escritores. O próprio Freud tanto na “Interpretação dos Sonhos”(1898 e 1899) como nos “Três ensaios sobre a sexualidade” (1905) mostra uma forte influência Schopenhaueana, derivando da “Metafísica do Amor Sexual” boa parte de sua psicanálise.

A representação é como o mundo aparece ao homem, é o que Kant chama de fenômeno. Já a vontade, também em comparação com Kant, é o mundo vivido (mas não visto), as vivências do ser humano, a própria coisa-em-si. No entanto, o mundo é tanto fenômeno como coisa-em-si (usando uma nomenclatura kantiana). Nesse ponto Schopenhauer começa a se afastar de Kant, posto que Kant nega qualquer acesso a coisa-em-se, Schopenhauer parte dele como parte essencial de sua filosofia:

Schopenhauer, ao contrário, [de Kant] pretendeu abordar a própria coisa-em-si. Essa coisa-em-si, raiz metafísica de toda realidade, seria a vontade[6]

A representação é composta por dois objetos importante, a saber, o sujeito e o objeto da representação. O sujeito é o que tudo conhece e, já o objeto é o que pode ser conhecido dentro do espaço e tempo (erscheinung). O sujeito, para Schopenhauer, estaria fora do tempo, sendo uno, indiviso, em todos os seres humanos capazes de representação. Caso o sujeito deixe de existir, deixa de existir com ele o mundo representado. O homem, como representação é um fenômeno, assim como o mundo. Ambos são vontade.

A Vontade é a “coisa-em-si” que Kant não admite nenhuma possibilidade de conhecimento objetivo. A afirmação da vida é a manifestação da Vontade. É também o “princípio fundamental da natureza”. Antes de tudo vontade é vontade de viver. Tanto o mundo quanto o homem são os reveladores da Vontade, mas sendo o homem o principal meio para essa revelação, visto que o homem é a forma mais visível e mais perfeita de sua manifestação. A vontade, essa coisa-em-si, no entanto, propaga o “querer viver”, o “querer realizar-se” independentemente das categorias de tempo e espaço. A Vontade não está submetida a as leis da razão, é totalmente independente da representação, ou seja, não depende do “princípio da razão suficiente”.

O princípio da razão suficiente é um conceito schopenhaueano que corresponde ao espaço, tempo e causalidade (que é responsável pela busca da origem dos fenômenos), entendido a partir de uma interpretação kantiana, é o que Kant chamaria de “intuição pura” ou “a priori”. É o que permite que os objetos sejam conhecidos. O mundo é concebido a partir dessas três formas puras e inatas do entendimento.

O Mundo só é dado à percepção como representação "O mundo é minha representação", logo, é puro fenômeno. O mundo é a representação proveniente da síntese entre “realidade exterior” e “consciência humana”, ou seja, em seu arcabouço há uma imensa dependência da consciência, é dotado de representação. Para Schopenhauer o mundo não existe como uma realidade exterior absoluta, mas só pode ser conhecido pelo sujeito.

O Pessimismo de Schopenhauer nasce do desdobramento do conceito de vontade que é entendido como sem finalidade e sem objetiva, não provindo de julgamentos históricos, mas sim uma “tese metafísica”. A vontade ocupa um papel quase paradoxal em seu sistema filosófico, uma vez que é “princípio fundamental da natureza” e ao mesmo tempo “irracional e inconsciente”. Embora pessimista, acredita na libertação da conduta humana, é a esse momento que Schopenhauer dedica os livros III e IV de O Mundo como Vontade e Representação.

Pra Schopenhauer a existência humana é um drama e somente a contemplação estética se coloca como uma saída, embora ainda provisória. A contemplação estética conduz o homem a uma contemplação desinteressada das idéias. Assim para Schopenhauer na contemplação de uma obra de arte, da música, da poesia, ou seja, do belo, a dor e o sofrimento são suspensos momentaneamente dando lugar a um momento de ausência desse drama da vida. Na proposta de aliviar o drama humano Schopenhauer discute a “negação da vontade” como único meio real de superação do sofrimento.

No âmbito da contemplação “artística” Schopenhauer elevou a música a um patamar filosófico, para ele “A música é um exercício de metafísica inconsciente no qual o espírito não sabe que está fazendo filosofia”, daí seu caráter irracional da filosofia. A música exprime a essência da Vontade, fazendo da inteligência espectadora da “história de sua própria vontade”. Na frase “viver é sofrer”, Schopenhauer mostra o caráter sofredor do prazer, que por sua vez é apenas um momento fugaz, mostrando assim que quem está disposto a desejar, tem que também se dispor a inquietude da alma, como bem escreveu Santo Agostinho: “O nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Deus”. Sobre a arte escreveu Schopenhauer:

É a arte, a obra do gênio. Ela reproduz as idéias eternas, apreendidas mediante pura contemplação, o essencial é permanente de todos os fenômenos do mundo, e conforme a matéria em que ela reproduz, se constitui em artes plásticas, poesia ou música[7]

A parte mais importante da obra de Schopenhauer é de fato a estética. Sua influência é sem dúvida muito vasta sobre músicos, artistas e filósofos, dentre muitos, destacam-se Richard Wagner, principalmente na composição de “Tristão e Isolda” (Tristan und Isolde) de 1857-59, Friedrich Nietzsche, em sua primeira obra escrita com apenas vinte e oito anos, “O nascimento da tragédia”, publicada em 1871, e até mesmo o próprio Freud reconhece sobre si tal influência. A estética tinha pretensões de “aperfeiçoar o conhecimento sensível”. A partir do século XVIII o termo estética (derivado de ai;sqesij, “sensação”), designava todos os conceitos relativos ao belo e as belas-artes.

Por fim, é importante deixar claro que o pensamento de Schopenhauer se encontra na história da filosofia em uma vertente de posição crítica contundente, propondo uma irracionalidade bem desdobrada em suas categorias (muitas retiradas do pensamento de Kant).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

SCHOPENHAUER, Arthur. "O Mundo como vontade de Representação (livro III), Crítica a Filosofia Kantiana, Pererga e Paralipomena". Coleção Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1988.

NOTAS:
[1] Bacharelando em Filosofia pela UFC - Universidade Federal do Ceará (Campus Cariri). Quinto Semestre. 2008.2. E-mail: damasio_ufc@hotmail.com
[2] Originalmente Gdansk cidade Polonesa e que mais tarde passaria à Prússia com o nome de Danzig, e voltaria após a Segunda Guerra Mundial a ser Gdansk.
[3] SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como vontade de Representação (III Parte), Crítica a Filosofia Kantiana, Pererga e Paralipomena, p. 8
[4] Ibid. p. 22.
[5] Ibid. p. 33
[6] Ibid. p. 9.
[7] Ibid. p. 36.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A TEORIA DA ILUMINAÇÃO (CONHECIMENTO) EM SANTO AGOSTINHO

Marcos Roberto Damásio da Silva[1]


"Quem conhece a verdade, conhece esta luz, e quem a conhece, conhece a Eternidade".
(Santo Agostinho)

Agostinho considera a filosofia a partir das cosmovisões platônica e bíblico-cristã, como solucionadoras do problema da vida. Todo seu esforço está direcionado a questão da alma e circunscrito ao problema de Deus. Tanto Deus como a alma, são questões de extrema importância para a solução integral dos problemas da vida e do conhecimento. Agostinho teve uma formação clássica, foi professor de retórica e se converteu ao cristianismo ouvindo o bispo Ambrósio em Milão. Foi convencido pela forte oratória de Ambrósio e pela capacidade de explicar de forma clara problemas das Escrituras cristãs que para ele eram incompreensíveis. Antes de se converter ao cristianismo Agostinho passou por vários grupos religiosos, entre eles o maniqueísmo (religião persa iniciada por Mani e que trabalha a questão dualista entre o Bem e o Mal, respectivamente Deus e o Diabo), mas que nunca encontrou descanso para seus problemas espirituais.


É impossível falar de Agostinho sem remeter-se a fé cristã. Agostinho é figura preeminente do cristianismo e do ensino teológico e filosófico a mais de 15 séculos. Por outro lado, não se pode negar que os diálogos com a cultura clássica, iniciada com Filon, trouxeram profundas mudanças na forma de pensar dos cristãos e das comunidades ocidentais pós séculos II e III. Deve-se aos padres da igreja que tanto se dedicaram na elaboração de textos a respeito da fé e da revelação divina a fundamentação teórica e moral desse período que ficou conhecido como Patrística. A Patrística é o momento de uma “filosofia cristã” que segue o período neo-testamentário e caracteriza-se por demonstrar uma versão cristã daquilo que os gregos haviam buscado desde o início. Isso se resume na frase de Justino, o Mártir, em relação ao cristianismo, chamando-o de “a verdadeira filosofia”. (GONZÁLES, Justo L., Uma História Ilustrada do Cristianismo: A Era dos Mártires, p. 87).


É nesse cenário que se destaca de forma muito especial a figura de Aurelius Augustinus (354 - 430), ou como muitos o conhece Santo Agostinho. Foi na tentativa de conciliar fé e razão que Agostinho promoveu de forma harmoniosa elementos da filosofia clássica e os escritos dos padres cristãos que o antecederam, sem esquecer a forte influência do Apóstolo Paulo, o principal expoente da teologia cristã do primeiro século da nossa era.


Falar de conhecimento é algo muito peculiar à modernidade, mas isso não quer dizer que os antigos e os medievais também não se debruçaram sobre tal propósito. Em Agostinho, falar de conhecimento é aproximar a cultura clássica tão largamente expressa no pensamento dos gregos, principalmente Sócrates, Platão e Aristóteles e o cristianismo vigente, forte na época da Patristica e nos próprios escritos de Agostinho. Em meio a efevercência do momento, Agostinho apresenta sua "teoria do conhecimento" (aos moldes platônicos) com uma cisão entre conhecimento proveniente dos sentidos, ou seja, que fornece elementos que são levados à memória e organizado pelo indivíduo e o conhecimento inteligível, que é aquele que só pode ser percebido pela mente humana e somente por meio da reflexão.


É no âmbito da inteligibilidade que Agostinho se aproxima da teoria platônica da Reminiscência. A Reminiscência platônica, ou a anamnésis é a ação de recordar, ou trazer à mente o conhecimento que é inerente a psique humana e que precisa ser lembrada pela reflexão filosófica. A anamnésis é o recordar os entes inteligíveis, os eidos que já existem na psique. Agostinho identifica na "teoria das idéias" de Platão o universo das "idéias divinas". Tais idéias divinas, os homens as recebem de Deus através da iluminação, e, com isso o conhecimento das verdades eternas.


Agostinho, um profundo conhecedor da filosofia clássica, e principalmente da filosofia platônica, reinterpreta a teoria da Reminiscência fazendo nascer sua teoria da Iluminação. Essa doutrina da iluminação divina, responde como o homem recebe de Deus o conhecimento das verdades eternas, ou como diria Platão, as verdades inteligíveis (alétheiai voétai). Dessa forma, o verdadeiro é o que é previamente iluminado pela luz divina, e que é algo extraído da própria alma, mas que está de modo infuso. Pode-se afirmar, no entanto, que a iluminação é a potencia que age no intelecto do homem para se chegar a verdade imutável.


Agostinho não rejeita o conhecimento proveniente das sensações, mas o coloca em um patamar inferior, entendendo o intelecto como superior, mas sendo ambos fonte de conhecimento. É na realidade uma reinterpretação do platonismo. Para ele, assim como para a visão a luz (física) exerce papel fundamental, sem a qual não haveria conhecimento dos objetos sensíveis, do mesmo modo para o conhecimento intelectual é necessário uma luz espiritual, esta, no entanto, proveniente de Deus. Em relação a teoria da anamnésis platônica, permanecem as características fundamentais, mas em Agostinho, para que haja o conhecimento intelectual deve haver uma participação direta da iluminação Divina.


Se para Platão o conhecimento é o resultado de uma reflexão dialética, de uma ascese espiritual, para Agostinho é pura graça divina, não negando o carater filosófico que é a reflexão. Esta por sua vez, é alcançada por uma vida de piedade e de temor a Deus, afirma agostinho que o atingir essa iluminação não é tarefa para todos os homens mas sim para aqueles que se voltam a Deus e recebe Cristo como o mediador desse processo. Embora essa mediação tenha sido afetada pelo pecado original, ela não foi de completamente anulada, segundo Agostinho interpreta o Apóstolo Paulo, é a graça divina que auxilia o homem em sua ascensão ao mundo espiritual, onde ele pode ter contato com os entes do conhecimento puro.


Esse resgate do platonismo, é senão uma afirmação neoplatônica, influencia de Plotino, ou seja, a afirmação de um conhecimento das idéias, dos arquétipos eternos contidos na mente de Deus e que são doadores de toda a realidade sensível. O centro da questão do conhecimento na filosofia de Agostinho é o interesse pelos problemas de Deus e da alma que durante toda Idade Média permaneceram como questões centrais da metafísica até o aparecimento do empirismo e da metafísica kantiana.


Agostinho passa pela tradição filosófica como um pensador de extrema influência, tanto para a teologia cristã como para o pensamento filosófico européia. Filósofos como Schopenhauer, Kierkegaard, Wittgenstein, Albert Camus, Hannah Arendt e até o próprio Nietzsche no que diz respeito a questão da vontade humana largamente expressa em sua ética, tiveram contato com Agostinho. Também grandes Teólogos tais como Tomás de Aquino, Martinho Lutero, João Calvino, Karl Barth e uma centena de teólogos contemporâneos principalmente os Calvinistas e Reformadores, como também quase toda a teologia católica foram buscar nos escritos do bispo de Hipona uma fundamentação madura e capaz de responder tanto aos intelectuais como aos leigos.


NOTA:

[1] Bacharelando em Filosofia Pela Universidade Federal do Ceará (UFC).