quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ARTHUR SCHOPENHAUER
O Mundo como vontade de Representação

[1] Marcos Roberto Damásio

“A arte é uma flor nascida no caminho da nossa vida, e que se desenvolve para suavizá-la” (Arthur Schopenhauer)

Filósofo alemão do século XIX nascido em 1788 na cidade de Danzig na Prússia[2], Arthur Schopenhauer, faz parte da corrente filosófica irracionalista, repesentada tanto por Schopenhauer como por Nietzsche. É também um filósofo do pessimismo em relação a sua visão do mundo. Estudou nas universidades alemãs de Göttingen e Jena. Após um grande período de descrédito e decepção na Europa, sua filosofia começou a ganhar adeptos e logo foi traduzida para vários idiomas. Sua obra principal é O mundo como vontade e representação publicade em 1819, e que será objeto de análise nesse trabalho.

É a partir da filosofia de Imannuel Kant (1724-1804) que se pontua o pensamento do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), mais precisamente dentro da dicotomia entre numenon (coisa-em-si) e fenômenon (o que aparece ao sujeito cognoscente). É a partir dessa divisão kantiana do conhecimento que nasce os conceitos schopenhaueanos de Vontade e Representação, centrais em sua filosofia. Para Schopenhauer o mundo sentido em suas percepções não passa de representações, aos moldes kantianos, síntese entre realidade exterior e consciência humana:

Por mais maciço e imenso que seja este mundo, sua existência depende, em qualquer momento, apenas de um fio único e delgadíssimo: a consciência em que aparece.[3]

Em sua obra mais importante, “O Mundo como Vontade e Representação”, (Die Welt als Wille and Vorstellung) Schopenhauer afirma que o homem só pode conhecer do mundo o que lhe é dado à percepção como representação (Vorstellung), ou seja, como elas são percebidas no espaço e tempo. Daí a critica a Hegel pela idéia do “saber absoluto”. Assim se postula em sua obra que nenhum objeto do conhecimento tem uma realidade em si, logo, sendo apenas resultados das condições gerais do espaço, do tempo e da causalidade:

Com efeito, o que Kant diz é essencialmente o seguinte: ‘Tempo, espaço e causalidade não são determinações da coisa-em-si, mas pertencem unicamente a seu fenômeno, ma medida em que não passa de formas de conhecimento[4]

No início do livro III de O Mundo como Vontade e Representação Schopenhauer aproxima as filosofias de Platão e Kant tentando mostrar suas semelhanças. Mas não só isso, mas também assume a filosofia platônica no que diz respeito à esfera noética do conhecimento, aos objetos como meras aparências das verdades inteligíveis. A afirmação de que o mundo é representação é uma reformulação da teoria platônica do mundo sensível. Também com relação a Kant, afirma conhecer os fenômenos que nos é dado os objetos, mas não em si mesmos.

Assim concordaremos com Platão, ao conceder esta existência propriamente dita somente às idéias, reconhecendo, por outro lado, às coisas no espaço e no tempo, este mundo real para o indivíduo, apenas uma existência aparente, ilusória[5]

No centro de sua filosofia, estão dois conceitos fundamentais e que não aleatoriamente compõem o título da obra, ou seja, “vontade” e “representação”. Vontade, irracionalidade e pessimismo sintetizam de forma objetiva a filosofia de um pensador “sem público” o qual herdou de Friedrich Nietzsche o epíteto de “o cavaleiro solitário”.

Assim como Nietzsche, Schopenhauer não obteve muito sucesso como professor. Mesmo vivendo em um período muito rico da história da filosofia moderna não conseguiu despontar uma filosofia de caráter referencial em seu tempo e não permaneceu dentro da tradição filosófica que nasce com Platão e tem seu momento áureo com Kant. Chegou a disputar cadeiras com Hegel na Universidade de Berlim, mas isso foi um fracasso pra sua permanência em Berlim, ao final do mesmo semestre desistiu da carreira de professor na Universidade de Berlim.

Schopenhauer é tido por alguns filósofos como o ultimo dos pensadores do idealismo alemão, onde entre alguns situam-se Kant, Fichte, Schelling, Schleiermacher e Hegel, e tem seu início com Kant, marcando uma transição para uma metafísica imanente com vias a psicanálise. Após o descrédito com a filosofia hegeliana na Alemanha, Schopenhauer passou a influencia muitos pensadores após sua morte, tais como Freud, Nietzsche, Hittgenstein e diversos artistas e escritores. O próprio Freud tanto na “Interpretação dos Sonhos”(1898 e 1899) como nos “Três ensaios sobre a sexualidade” (1905) mostra uma forte influência Schopenhaueana, derivando da “Metafísica do Amor Sexual” boa parte de sua psicanálise.

A representação é como o mundo aparece ao homem, é o que Kant chama de fenômeno. Já a vontade, também em comparação com Kant, é o mundo vivido (mas não visto), as vivências do ser humano, a própria coisa-em-si. No entanto, o mundo é tanto fenômeno como coisa-em-si (usando uma nomenclatura kantiana). Nesse ponto Schopenhauer começa a se afastar de Kant, posto que Kant nega qualquer acesso a coisa-em-se, Schopenhauer parte dele como parte essencial de sua filosofia:

Schopenhauer, ao contrário, [de Kant] pretendeu abordar a própria coisa-em-si. Essa coisa-em-si, raiz metafísica de toda realidade, seria a vontade[6]

A representação é composta por dois objetos importante, a saber, o sujeito e o objeto da representação. O sujeito é o que tudo conhece e, já o objeto é o que pode ser conhecido dentro do espaço e tempo (erscheinung). O sujeito, para Schopenhauer, estaria fora do tempo, sendo uno, indiviso, em todos os seres humanos capazes de representação. Caso o sujeito deixe de existir, deixa de existir com ele o mundo representado. O homem, como representação é um fenômeno, assim como o mundo. Ambos são vontade.

A Vontade é a “coisa-em-si” que Kant não admite nenhuma possibilidade de conhecimento objetivo. A afirmação da vida é a manifestação da Vontade. É também o “princípio fundamental da natureza”. Antes de tudo vontade é vontade de viver. Tanto o mundo quanto o homem são os reveladores da Vontade, mas sendo o homem o principal meio para essa revelação, visto que o homem é a forma mais visível e mais perfeita de sua manifestação. A vontade, essa coisa-em-si, no entanto, propaga o “querer viver”, o “querer realizar-se” independentemente das categorias de tempo e espaço. A Vontade não está submetida a as leis da razão, é totalmente independente da representação, ou seja, não depende do “princípio da razão suficiente”.

O princípio da razão suficiente é um conceito schopenhaueano que corresponde ao espaço, tempo e causalidade (que é responsável pela busca da origem dos fenômenos), entendido a partir de uma interpretação kantiana, é o que Kant chamaria de “intuição pura” ou “a priori”. É o que permite que os objetos sejam conhecidos. O mundo é concebido a partir dessas três formas puras e inatas do entendimento.

O Mundo só é dado à percepção como representação "O mundo é minha representação", logo, é puro fenômeno. O mundo é a representação proveniente da síntese entre “realidade exterior” e “consciência humana”, ou seja, em seu arcabouço há uma imensa dependência da consciência, é dotado de representação. Para Schopenhauer o mundo não existe como uma realidade exterior absoluta, mas só pode ser conhecido pelo sujeito.

O Pessimismo de Schopenhauer nasce do desdobramento do conceito de vontade que é entendido como sem finalidade e sem objetiva, não provindo de julgamentos históricos, mas sim uma “tese metafísica”. A vontade ocupa um papel quase paradoxal em seu sistema filosófico, uma vez que é “princípio fundamental da natureza” e ao mesmo tempo “irracional e inconsciente”. Embora pessimista, acredita na libertação da conduta humana, é a esse momento que Schopenhauer dedica os livros III e IV de O Mundo como Vontade e Representação.

Pra Schopenhauer a existência humana é um drama e somente a contemplação estética se coloca como uma saída, embora ainda provisória. A contemplação estética conduz o homem a uma contemplação desinteressada das idéias. Assim para Schopenhauer na contemplação de uma obra de arte, da música, da poesia, ou seja, do belo, a dor e o sofrimento são suspensos momentaneamente dando lugar a um momento de ausência desse drama da vida. Na proposta de aliviar o drama humano Schopenhauer discute a “negação da vontade” como único meio real de superação do sofrimento.

No âmbito da contemplação “artística” Schopenhauer elevou a música a um patamar filosófico, para ele “A música é um exercício de metafísica inconsciente no qual o espírito não sabe que está fazendo filosofia”, daí seu caráter irracional da filosofia. A música exprime a essência da Vontade, fazendo da inteligência espectadora da “história de sua própria vontade”. Na frase “viver é sofrer”, Schopenhauer mostra o caráter sofredor do prazer, que por sua vez é apenas um momento fugaz, mostrando assim que quem está disposto a desejar, tem que também se dispor a inquietude da alma, como bem escreveu Santo Agostinho: “O nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Deus”. Sobre a arte escreveu Schopenhauer:

É a arte, a obra do gênio. Ela reproduz as idéias eternas, apreendidas mediante pura contemplação, o essencial é permanente de todos os fenômenos do mundo, e conforme a matéria em que ela reproduz, se constitui em artes plásticas, poesia ou música[7]

A parte mais importante da obra de Schopenhauer é de fato a estética. Sua influência é sem dúvida muito vasta sobre músicos, artistas e filósofos, dentre muitos, destacam-se Richard Wagner, principalmente na composição de “Tristão e Isolda” (Tristan und Isolde) de 1857-59, Friedrich Nietzsche, em sua primeira obra escrita com apenas vinte e oito anos, “O nascimento da tragédia”, publicada em 1871, e até mesmo o próprio Freud reconhece sobre si tal influência. A estética tinha pretensões de “aperfeiçoar o conhecimento sensível”. A partir do século XVIII o termo estética (derivado de ai;sqesij, “sensação”), designava todos os conceitos relativos ao belo e as belas-artes.

Por fim, é importante deixar claro que o pensamento de Schopenhauer se encontra na história da filosofia em uma vertente de posição crítica contundente, propondo uma irracionalidade bem desdobrada em suas categorias (muitas retiradas do pensamento de Kant).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

SCHOPENHAUER, Arthur. "O Mundo como vontade de Representação (livro III), Crítica a Filosofia Kantiana, Pererga e Paralipomena". Coleção Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1988.

NOTAS:
[1] Bacharelando em Filosofia pela UFC - Universidade Federal do Ceará (Campus Cariri). Quinto Semestre. 2008.2. E-mail: damasio_ufc@hotmail.com
[2] Originalmente Gdansk cidade Polonesa e que mais tarde passaria à Prússia com o nome de Danzig, e voltaria após a Segunda Guerra Mundial a ser Gdansk.
[3] SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como vontade de Representação (III Parte), Crítica a Filosofia Kantiana, Pererga e Paralipomena, p. 8
[4] Ibid. p. 22.
[5] Ibid. p. 33
[6] Ibid. p. 9.
[7] Ibid. p. 36.